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Prof. Ricardo Lengruber (ricardo@lengruber.com)

Graça não é justiça


Justiça não é a melhor palavra para falar sobre Deus. Dois textos na Bíblia Hebraica ajudam na reflexão.

No caso do livro de Jó, são 42 capítulos de uma longa e dramática história. Os capítulos 1, 2 e 42 são a moldura da história – sobre um homem que tinha tudo e tudo perdeu (dinheiro, saúde e família), apesar de ser reto e temente a Deus. No fim (no cap. 42) ele tem a restituição (se é que se pode falar sobre restituição de vida de familiares) – mas depois de um processo muito doloroso de sofrimento e questionamentos (caps 3 a 41).

Não dá pra ler apenas trechos. Vale, com calma, ir lendo e meditando sem pressa. Jó é uma pessoa de boa conduta social e religiosa, mas, apesar disso, sofre muito.

O livro discute portanto a tal religião da retribuição – essa ideia de que pessoas boas recebem bênçãos e pessoas más recebem suplícios. “Aqui se faz, aqui se paga”, por exemplo. A história de Jó é um grande testemunho da irracionalidade que é a vida, sem muitas regras sobre “causa e efeito”. O livro, no fim das contas, tem muito mais perguntas do que respostas. Porque coisas ruins acontecem às pessoas “boas”?

No caso do livro do Eclesiastes (Qohélet), apesar de ser bem menor, e não ser uma narrativa da história de um personagem, há uma série de reflexões muito provocativas.

O livro segue a mesma toada do livro de Jó. Porque há o mal? E porque o mal atinge a bons e maus indistintamente? Trata-se de um banho de água fria em quem insiste na ideia de que há uma lógica de retribuição entre o que fazemos e como vivemos.

A vida é meio irracional, nesse tocante. Por isso, o pregador do Eclesiastes insiste tanto na ideia da “vaidade” (a melhor tradução seria “efemeridade”). Tudo a que damos muito valor (dinheiro, sabedoria, poder, religião) é efêmero, é vaidade. E fica então a pergunta: o que a gente leva da vida? O que se pode esperar quando justos têm sofrido tanto e ímpios têm vivido com tanto luxo e conforto? A resposta dele é demolidora: a simplicidade do dia-a-dia é que torna o homem feliz; comer o pão, beber o vinho, viver com honestidade e unção, amar a família (cf. Ec 9).

Vale lembrar que, em ambos os casos (Jó e Ec), os israelitas antigos não creem ainda numa vida após a morte. Ou seja, não dá pra lançar mão daquela resposta fácil que haverá um prêmio ou uma punição na vida do além. Os autores indagam, assim, sobre as contradições dessa nossa vida e sobre o porque de haver tanto sofrimento.

Por que coisas ruins acontecem às pessoas “boas”? No fim, essa é a grande indagação da vida.

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