"Viajei para muito longe e tudo o que consegui foi voltar ao lar." Gandhi
Escrevi diversas vezes sobre a inquietude que mora dentro de cada pessoa. Somos uma espécie incomodada e desalojada. A sensação que nos consome todos os dias é que estamos sempre em busca de algo perdido ou de alguma coisa que nos ultrapassa. A transcendência, por assim dizer, é o pão nosso de cada dia.
Por isso, gostamos tanto de viajar!
Viajamos porque desejamos sair de casa; porque ansiamos deixar para trás um universo de comodidades e lugares conhecidos; porque nos cansamos facilmente com o cotidiano e sua entediante rotina. O primeiro movimento do viajante é sair.
Como já disse o pensador: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos."
Viajamos, também, porque aspiramos por novidade; porque nos toca desde dentro a sanha pelo desconhecido; porque nos cativa muito ter a sensação de desbravar. O segundo movimento do viajante é ousar.
Foi o poeta Goethe quem sinalizou a respeito disso: "Ideias ousadas são como as peças de xadrez que se movem para a frente; podem ser comidas, mas podem começar um jogo vitorioso."
Viajamos, ainda, porque gostamos - ainda que momentaneamente - da sensação de estar solto no mundo; porque apreciamos a imersão num outro universo, noutra cultura, com outras pessoas em outros ambientes; porque precisamos de um pouco de anonimato. O terceiro movimento do viajante é descobrir.
Nesse pormenor, Marcel Proust ajuda a compreender melhor: "A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos."
Viajamos, entretanto, para voltar. Não faz sentido, simplesmente, ir. Para que uma viagem tenha razão de ser e não sucumba na pena dos andarilhos errantes, é imprescindível voltar. Porque se é verdade que a sensação de sair é gostosa, mais estimulantes, talvez, sejam os sentimentos que envolvem o retorno. Não o retorno de quem naufragou na aventura e, sem opção, volta; mas o retorno de quem ousou sair, arriscou o desconhecido e o anonimato, e, por decisão própria, preferiu voltar. O quarto movimento do viajante é voltar.
É por isso, aliás, que sentimos saudade. "Saudade é alma dizendo pra onde quer voltar." (Rubem Alves)
Foi o movimento de Abraão; foi a jornada do filho pródigo; é a dinâmica do deserto, lugar em que só se pode andar (estacionar é a certeza da morte).
Quem bem expressou esses tantos movimentos foi o Fernando Brant: "tem gente que chega pra ficar; tem gente que vai pra nunca mais; tem gente que vem e quer voltar; tem gente que vai e quer ficar; tem gente que veio só olhar; tem gente a sorrir e a chorar; e assim, chegar e partir." (Encontros e Despedidas).
Há viagens que se simulam, apenas; não são viagens de fato. São turismo, simplesmente. São arremedos desse processo tão rico que nossa alma aspira.
Entre a desilusão dos andarilhos (que seguem sem origem e sem destino) e a artificialidade dos pacotes de turismo (que simulam o faz-de-conta da aventura), há a sublime coragem de viajar. De sair e de voltar. De decidir sair, ficar, desistir, voltar (não necessariamente nessa ordem).
Viagens explicam bem a vida. São como que aperitivos da estimulante jornada do viver. Novamente: "são só dois lados da mesma viagem: o trem que chega é o mesmo trem da partida; a hora do encontro é também de despedida; a plataforma dessa estação é a vida ..."
Por fim, mas não menos importante, é a lógica do ir e vir, que faz, antes de voltar ao mesmo ponto, avançar existencialmente. Foi o Kafka quem bem captou essa realidade: "De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado."
Enfim, viajar é preciso.