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Prof. Ricardo Lengruber (ricardo@lengruber.com)

O que as religiões tem a ensinar sobre política, mídia e sociedade


A religião de Israel se forjou a partir do diversificado sincretismo de povos e crenças que aprenderam a resistir ao poder opressor das cidades e reinos do Antigo Oriente Próximo. Essa foi, grosso modo, sua gênese. Uma coalizão de resistência.

Apesar de haver, ao longo da história, a tendência de se institucionalizar, Israel preservou boa parte da energia original que o fez peregrino pelo deserto. Apesar de sua divindade, seus sacerdotes, seus edifícios e sua dinâmica social, essa mesma expressão religiosa se construiu sempre na contramão da institucionalização. Aliás, o que se preservou dela foi exatamente essa vitalidade clandestina.

Deus não tinha nome. Reis e sacerdotes eram questionados permanentemente. Profetas (mesmo sem esse título) nem sempre eram ouvidos.

Havia, claramente, por outro lado, forças pró e forças contra o sistema institucional político, econômico e religioso. Essa tensão preservou-se nos mitos e nos ritos.

A Bíblia é fruto dessa vitalidade histórica. Instituição e clandestinidade habitam, paradoxalmente, os mesmos espaços e vivem em permanente tensão.

Apenas a título de ilustração, em hebraico, o termo “heikal” significa, ao mesmo tempo, templo e palácio. Os reis e os sacerdotes dividiam espaços geminados. Isso porque, desde sempre, está na essência das religiões a intrincada e promíscua relação com o poder e suas seduções.

Talvez seja por essa razão, por outro lado, por exemplo, que o chamado profeta Ezequiel tenha usado um outro termo para se referir a Javé como “santuário” (diferente de templo) para o povo na situação do Exílio. Não se tratava mais de um prédio, mas uma experiência de santidade junto a Deus. Talvez seja por isso que Jesus tomou o chicote nas mãos. Talvez seja por isso também que o Cardeal Arns tenha, logo que assumiu o arcebispado de SP, vendido o Palácio Episcopal e, com os recursos, construído creches.

Acredito que coisa semelhante ocorra em outras religiões. O cristianismo tem essa mesma dinâmica. Há Constantino e há Francisco. O islamismo também. Há sua história e a forma como o Ocidente pinta sua história. Fenômeno similar deve ocorrer com as religiões de matrizes africanas, asiáticas ou orientais.

O fato de a religião de Israel e seus subprodutos (judaísmo, cristianismo e islamismo) ainda influenciarem tanto tem a ver exatamente com essa ambiguidade instituição versus resistência. E com a forma como se tornou dominante no Ocidente.

O caso de Jesus é típico. Um judeu de tradições consistentes que, ao mesmo tempo, revelava-se absolutamente livre e crítico das amarras opressoras da instituição. “O sábado foi feito para o ser humano”.

O desafio, nesses cenários complexos, é a capacidade que desenvolvemos de compreender a dinâmica e relatividade dos processos. Nada “é” ou “não é” simplesmente. As coisas “estão”.

Isso talvez seja uma boa ferramenta para ajudar no discernimento sobre o atual estado de coisas no Brasil e no mundo. A tênue fronteira entre os discursos do palácio e o das ruas é sintomática dessa complexidade. Há uma zona cinzenta em que a tomada de partido é delicada e, não raro, equivocada.

Atualmente, todavia, além das religiões em si, a mídia ocupa um lugar especial nessa formação de consciências. Ou seja, o discurso ideológico dos templos foram potencializados nos jornais, nas novelas e no entretenimento. Estamos absorvidos pela sedução das narrativas construídas pela TV e seus meios auxiliares.

E aqui reside parte do problema: a instituição aprendeu a usar o discurso das ruas para seu benefício. Há uma profunda confusão. Não raramente, as ruas andam gritando pelo que almejam as instituições.

Foi mais ou menos isso que ocorreu quando, nas ruas de Jerusalém, o povo pediu por Barrabás.

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