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Prof. Ricardo Lengruber (ricardo@lengruber.com)

Uma ruptura necessária


Há uma polarização equivocada sobre socialismo e liberalismo e, em algum sentido, sobre esquerda e direita. Por causa de governos corruptos e manobras que só atendem a interesses de uns poucos privilegiados, ou misturamos tudo como se fosse a mesma coisa, ou distinguimos tudo como se do outro lado nada prestasse.

O liberalismo erra ao acreditar no livre mercado como instância de gerência da sociedade, como se essa entidade fosse capaz de autorregularização ao ponto de garantir condições a todos. Os desdobramentos dessa fé germinal dão origem às ideias de estado mínimo, meritocracia etc. E redundam na exclusão de multidões que não conseguem ou não têm oportunidade da inclusão. Mas acerta quando enxerga no potencial dos indivíduos a força motriz do desenvolvimento da sociedade. Quando compreende que o desejo pessoal por superação pode ser uma fonte de avanço da coletividade.

O socialismo, por seu turno, engana-se ao crer numa sociedade de plena distribuição sem que haja a participação ativa do indivíduo. Equivoca-se ao defender a tese de um estado máximo que, como um grande pai, deve gerar e gerir tudo. Mas acerta ao se sensibilizar com a fraqueza humana e suas misérias. Ao compreender o lugar da solidariedade social diante das vulnerabilidades. E ao denunciar a falsa ideia do mercado autossuficiente.

Estado mínimo e livre mercado, de um lado, estado máximo e controle total de mercado, de outro, são faces de uma mesma realidade. Poder pelo poder. Ou pela vertente econômico-ideológica ou pela político-ideológica.

O desafio que temos não se resume a uma via intermediária, conciliatória. Mas a uma profunda reconstrução sob novas bases e com novas perspectivas.

Primeiro, um caminho que priorize a pessoa. Que faça escolhas preferenciais pelo ser humano. Especialmente aquele que esteja em toda e qualquer situação de vulnerabilidade e risco. Para isso, tão importante quanto políticas públicas claras e afirmativas, é necessária uma mudança profunda de mentalidade. Construir em cada indivíduo a sensibilidade de olhar para o outro - em suas fragilidades - como sujeito de direitos, que tem na coletividade da sociedade a única fonte de amparo, momentâneo ou permanente.

Segundo, um Estado que consiga se reformar permanentemente de modo que não perca sua vocação originária, que é garantir direitos (e, por isso, fiscalizar deveres). Um Estado leve ao ponto de estimular o trabalho, a livre iniciativa, a cooperação, o mercado como trânsito e comunhão. Um Estado eficiente na medida do suprimento das necessidades vitais das pessoas para sua plena dignidade. Um Estado que se entenda como meio, e não como fim em si mesmo.

Terceiro, uma lógica econômica que parta do princípio da solidariedade. Do trabalho como mecanismo de viabilização da vida e redução de eventuais desigualdades. Uma economia cooperativa que estimule o esforço do indivíduo e inspire a comunhão dos resultados. Uma economia que se assuma como ferramenta de socialização. Uma economia que se entenda como meio, e não como fim em si mesma.

Se é verdade que se deseja uma sociedade de igualdade social, é igualmente verdadeiro que isso só se dará por meio de justiça social. E isso é tarefa do Estado. Um ente que estimule a economia e a ela não seja um peso, ao mesmo tempo que ampare distribua as riquezas da coletividade.

Fundamental, nesse processo, é a discussão sobre o conceito de "propriedade". Da ideia de propriedade material a de propriedades imateriais, inclusive a intelectual. Na prática, o que há nesse planeta é recurso 'do planeta' (que, na verdade, é tomado pelo ser humano e por ele transformado - ao que designamos como trabalho). Mesmo as ideias são recursos da coletividade cuja dinâmica de construção e inovação é fruto da jornada histórica e social da humanidade. Defender a propriedade como privada é, talvez, a raiz do egoísmo e suas consequentes exclusões.

Uma nova sociedade exige uma nova mentalidade sobre quem somos. Desde as grandes tradições religiosas até a psicologia moderna, passando pelos discursos de coaching e autoajuda, (ainda que com seus méritos de valorização humana), fomos educados na lógica do "eu" e da "propriedade". Da vida eterna num céu de ouro ao melhor vendedor batedor de metas, a lógica de base é a mesma: superar e vencer, individualmente (no máximo, como grupo: a igreja, a empresa, a família, o partido).

Uma nova sociedade passa necessariamente pela valorização do indivíduo, pela inspiração da cooperação e pelo empenho da solidariedade. Uma visão de mundo que exige um estado, ao mesmo tempo, sensível para os fracos e leve para os ágeis. Que seja eficiente para o empreendedor e provedor para o necessitado. Que não seja peso para o que arrisca ou berço para o que se acomoda.

Uma nova sociedade requer que política e economia voltem seus esforços para além de si, na direção das pessoas. É o salto do singular para o plural. Mergulho que exige comunhão com o íntimo e abertura para o todo.

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