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Foto do escritorRicardo Lengruber

De dentro do furacão


A história é dinâmica. Mutante. Há épocas de efervescência cultural e científica. Tempos como os da Grécia clássica, os do Iluminismo, ou ainda os da Revolução Cultural em torno dos 1960. Há momentos, entretanto, de água paradas (ou mesmo de retrocessos). Séculos inteiros na Idade Média, por exemplo; ou os tempos coloniais aqui no Brasil. Na filosofia, nas artes, na política e na religião. Avanços e recuos. Nosso tempo, curiosamente, está marcado, ao mesmo tempo, por essas duas dimensões da experiência histórica. Assistimos a uma evolução exponencial em ciência, tecnologia, inovação e em produtividade. Mas a marcha à ré está engatada e em alta rotação em aspectos outros que até há pouco pareciam estar garantidos. Temas relacionados à educação, direitos humanos, ética, teologia, feminismo, estão numa fase sinistra de recuos e perseguições. Há uma irresponsabilidade irrestrita em cena. Conquistas civilizatórias que deveriam estar no rol dos direitos fundamentais estão sendo tratadas com a superficialidade de governos e grupos incompetentes e tacanhos. A sensação que se tem é que estamos retroagindo à condição de irracionais. Em nome do benefício pessoal, o sentimento e as ações de solidariedade social estão escoando pelo ralo da história. Do jeito que a coisa anda, até a internet - símbolo maior do avanço tecnológico e da inclusão social - restará restrita e controlada, além de uma arena de conflitos. A sensação que fica é a de que, no fundo, evoluímos rápido demais em termos racionais, tecnológicos e econômicos, mas não acompanhamos à altura no que tange ao espírito. O tempo que denominamos presente é sempre complexo. Desde os primeiros lampejos de racionalidade, o ser humano olha para si e para seu momento histórico como o mais controvertido e de difícil compreensão. É o que ocorre hoje também. Isso tem mais a ver com quem analisa do que propriamente com o momento analisado. É a dificuldade de quem vive e experimenta seu tempo que torna esse tempo tão singular e tão complexo para ser compreendido. Olhar as coisas a partir da própria experiência é um desafio enorme. Tem seu lado positivo, sim; afinal, é a lente de quem prova na pele a realidade. Mas é um esforço maior porque não desfruta do distanciamento que as análises mais equilibradas demandam. E esse é o grande desafio da reflexão crítica: um olhar de quem está dentro das situações. E, por isso, muito mais suspeitas do que vaticínios. Muitos episódios a respeito dos quais algumas análises tratam, se fossem promovidos em outro momento, teriam abordagens e conclusões distintas. Nesse sentido, todas as reflexões que propomos estão sempre datadas e circunscritas. Não há verdades eternas e imutáveis. O valor do pensamento reflexivo não está necessariamente na sua perenidade, mas na sua provisoriedade. Ou melhor: na sua transitoriedade. Uma espécie de reflexão que pondera sobre os fatos e os fenômenos da sociedade brasileira nesse início de século (XXI), por exemplo, mas sob a lógica de quem medita ao longo do caminho. De quem experimenta notícias e fatos novos a cada dia e tentar desvendar seus pressupostos comuns. Até se pode dizer que os fatos que se seguem no futuro são, em algum sentido, resultados análises e interpretações feitas sobre fatos anteriores. Por isso, auscultar hoje as análises de ontem ajuda a compreender caminhos e a fazer novas ou repetir escolhas. No fim das contas, depois de passada nossa geração, como será que olharão para esse nosso tempo aqueles que nos sucederem na aventura de analisar a vida? Quantas páginas nosso tempo ocupará nos livros da história? Suspeito que não será mais que a média, porque conseguirão, por conta do distanciamento que o tempo dá, espremer os fatos e deixarão apenas o que é efetivamente relevante. Mas, para nós, mergulhados no turbilhão, resta-nos indagar, suspeitar, analisar, propor e questionar. Daí as muita páginas que escrevemos é as muita reflexões que nos inquietam. É isso. Há pelo menos dois tipos de análises: as que são feitas no conforto do futuro que examina o passado (cujo valor está na sua conclusividade); e os que assumem o risco de olhar para o presente de dentro do furacão (cujo valor estará no seu acerto - que só o tempo revelará). 

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