Boa parte da mentalidade brasileira a respeito de si mesma é forjada com base na ideia do culturalismo e do patrimonialismo.
Compreende-se a sociedade brasileira como sendo formada por culturas atrasadas e como sendo herdeira de um estado português profundamente burocrático e corrupto (daí nossa insistência na tese da política brasileira como sinônimo de corrupção).
Ideário semelhante, embora às avessas, é cultivado nos EUA. Raça superior e política ilibada.
Nem uma nem outra tese se sustentam. O racismo e o complexo de vira-lata são lentes através das quis se enxerga uma sociedade. E, no nosso caso, infelizmente, muito incentivada por setores importantes da academia.
Essas ideias são meias verdades. É claro que as culturas têm suas peculiaridades e é óbvio que corrupção é fenômeno político inevitável (fenômeno humano, na verdade). Mas o que nos torna a sociedade que somos tem mais a ver com a absurda e abissal desigualdade social e econômica em que vivemos mergulhados desde sempre do que com traços das culturas que nos forjaram.
A concentração imoral de renda e riqueza nas mãos de uma pequena minoria (cada vez menor e cada vez mais aquinhoada) é o que gera as mazelas desse país.
E toda vez que esse sistema de concentração é minimamente ameaçado surgem como que automaticamente os discursos sobre corrupção desenfreada e cultura inferior. O sistema é regulado para autopreservação.
A questão, todavia, é tão grave por aqui que mesmo o lado mais frágil (e maior) dessa equação é, não raro, porta-voz das minorias (e seus privilégios). O sistema é tão inteligente internamente que seus arautos são suas próprias vítimas.
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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