Há uma decisão do governo municipal em Nova Friburgo de passar a poder reprovar estudantes já no 2º ano do Ensino Fundamental. Os argumentos básicos são os de que a nova BNCC recomenda a alfabetização até essa etapa, que há um clamor de professores sobre isso e de que essa medida promoveria maior aprendizagem.
Diante da proposta, valem reflexões a respeito.
Há uma memória saudosista no imaginário brasileiro: a boa escola é a escola que reprova. O professor que com mais rigor cobra de seus alunos e que mais reprova é tido como aquele que melhor ensina.
Mas isso não é verdade. Uma boa escola, um bom professor, um bom modelo de Educação são aqueles com os quais os estudantes efetivamente aprendem. A reprovação é o oposto disso; é o símbolo de uma derrota. É a representação da falência de um sistema todo - que envolve gestores, professores, famílias e estudantes.
Se a tão mal compreendida progressão continuada (equivocada e popularmente chamada de aprovação automática) não é, por si só, solução; menos ainda é a reprovação utilizada indiscriminadamente. Ou seja, se é verdade que não dá para um aluno avançar sem aprender, não é possível também permitir que esse mesmo aluno seja estigmatizado e que repita todo um ano escolar sem qualquer mudança na abordagem do conteúdo.
Quando se recorre à prática da reprovação anual como símbolo de qualidade no ensino cometem-se dois graves equívocos: responsabiliza-se o professor e estigmatiza-se o aluno. Em outras palavras: se o aluno não aprende e o professor aprova - culpa do mestre; se o aluno não aprende e o mestre reprova - responsabilidade do aluno.
Nessa equação, todavia, exclui-se o poder público e seus gestores. Ou seja, esconde-se o fato de que aprendizado é um processo e que cada estudante tem seu próprio tempo e seu próprio ritmo. Mais eficaz que simplesmente reprovar é garantir que haja mecanismos de recuperação e acompanhamento paralelo que deem a cada aluno a atenção que necessita para fazer sua caminhada. Isso demanda planejamento e investimento. Coisa que não depende do professor sozinho em sala, tampouco do aluno e sua família. Isso é dever do Estado. Pelo menos, deveria ser.
Tão verdadeiro quanto o fato de que a relação professor-aluno é indispensável ao êxito na aprendizagem e o fato de que há a necessidade de acompanhamento permanente da família, é também o fato de que cabe ao poder público gerar condições ótimas para a efetivação desse trabalho: valorização de profissionais, formação continuada, projeto pedagógico consistente, infraestrutura adequada, boa alimentação escolar etc.
Outro elemento que precisa ser considerado é a permanência e a especialização do professor/a alfabetizador/a. Cabe ao Estado promover meios para incentivar o alfabetizador a permanecer o maior tempo possível nessa função (para acumular experiências) e para se especializar permanentemente nas metodologias de alfabetização mais significativas.
Tão sério quanto aprovar sem garantir que haja o aprendizado é reprovar: coisa que incentiva a evasão e inibe o processo de crescimento. A questão é que a reprovação como medida pedagógica contraria a razão. O fracasso não estimula ninguém a aprender, muito menos a estigmatizacão.
Entre os estudos mais citados sobre o tema, os textos de Holmes & Matthews (1984, https://goo.gl/vmyTa5) e de Jimerson (2001, https://goo.gl/2ftjFB) possuem grande relevância. Os dois trabalhos analisaram criteriosamente dezenas de estudos empreendidos entre 1925 e 1999, esmiuçando a trajetória escolar de milhares de estudantes. Em linhas gerais, a conclusão é de que a reprovação não é benéfica ao aluno. Jimerson, que trabalha com dados mais recentes, considera que "nem a [mera] transição, nem a retenção, facilita o sucesso escolar e a adaptação dos alunos à escola, sendo por isso, necessário, substituir tais práticas por estratégias alternativas de apoio".
O que não se pode aceitar é, de um lado, reprovação generalizada; de outro, maquiagem nos números das redes públicas simplesmente para sair bem na foto dos exames oficiais. O que se deve ter como meta inegociável é o efetivo aprendizado.
Um esclarecimento ainda merece destaque: o fato de a BNCC (Base Nacional Curricular Comum) estipular o 2º ano como fechamento do ciclo alfabetizador não significa que haja obrigatoriedade de retenção já nessa etapa. Cabe aos sistemas de ensino esse regramento, conforme previsto na LDB 9.394/96.
Antes de se discutir reprovação, precisamos discutir avaliação; para isso, porém, é necessária ampla construção de um Projeto Político Pedagógico. Sem essas ações, a política de reprovação só reforçará ainda mais aquilo em que temos nos especializado na educação pública brasileira: excluir.
Reprovar uma criança no 1º ou no 2º ano do fundamental - salvo em raríssimos casos específicos que demandam atenção especializada inclusive de profissionais para além das especializações escolares - é, ao mesmo tempo, inabilidade pedagógica e insensibilidade.
E convenhamos: Nova Friburgo merece outros presentes em seus 200 anos. Ou não?
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(*) Ricardo Lengruber é professor. Doutor pela PUC Rio, tem livros e artigos publicados nas áreas de Educação, Religião e Políticas Públicas. Foi Secretário de Educação em Nova Friburgo, presidente da ABIB e é membro da Academia Friburguense de Letras. Visite www.ricardolengruber.com
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